Tuesday, June 27, 2006

O Catão da Cracolândia
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"Prá posar de vestal tem que ter cabaço"
Ruth Escobar
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A colunista Mônica Bergamo, na edição de hoje da Folha de S. Paulo, publica curiosíssima nota, onde dá conta de inesperada revolta do ex-secretário de comunicação do governo Fernando Henrique e hoje sub-prefeito da degradada sub-região da Sé, o nobilíssimo Andrea Matarazzo. Vale a transcrição pelo inusitado, envolto por certo ar de ridículo e de falsidade:
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"Edemar do barulho
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Está armada a confusão na Fundação Bienal, que reconduziu o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira para o cargo de conselheiro. Ele está preso em Tremembé. "É um acinte. Todas as pessoas de bem estão furiosas", diz Andrea Matarazzo, que é do conselho. "Vão levar o livro de posse para ser assinado no presídio de Tremembé? Vamos fazer reuniões lá?", pergunta. Matarazzo deve fazer protesto formal ao conselho."
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De uma forma absolutamente mesquinha o sub-prefeito da sub-região da Sé resolveu cobrar velhas mágoas tripudiando por sobre um homem vencido, banqueiro falido, preso numa penitenciária antes mesmo de ter sido julgado, personagem central de processo kafkiano onde seus defensores apontam a perseguição de um magistrado que já tentou tomar-lhe a própria casa para transformá-la em um museu. Seis anos depois de ter sido enfrentado por Edemar Cid Ferreira, o Conde Andrea Matarazzo, resolveu tornar pública uma coragem insuspeitada até para os frequentadores do seu círculo íntimo, que poderia ter sido exibida em muitíssimas oportunidades anteriores. Com Edemar solto, por exemplo.
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A "coragem" de Andrea Matarazzo vem com mais de meia década de atraso e com o vezo vergonhoso da covardia explícita. É que Edemar peitou o então baronete das verbas de comunicação do governo do príncipe dos sociólogos, pelo desvio de mais de R$ 14 milhões para o pífio pavilhão do Brasil na Feira de Hanover, "operado" por Paulo Henrique Cardoso, primogênito presidencial e notório diletante, em detrimento da Mostra do Redescobrimento, o maior evento cultural brasileiro nos últimos 50 anos, belíssima realização do ex-banqueiro. Há, também, o componente da inveja que atormenta boa parte do society paulistano, que não perdoa a ousadia de Edemar, que com todos os seus pecados, escreveu seu nome na história do mecenato e da cultura brasileira, ao lado de Ciccilo Matarazzo, Yolanda Penteado, Assis Chateaubriand e Niomar Muniz Sodré.
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A "indignação" do Catão da Cracolândia se manifesta frente a um vencido, trancafiado na penitenciária do Tremembé, sem condições de defender-se ou de enfrentá-lo cara-a-cara. Ela não foi exercitada, por exemplo, ao ser indicado para embaixador do Brasil em Roma, quando os senadores da República o submeteram à humilhante espera, ao cabo de sessões onde seu nome foi contestado e sua presumível competência posta em dúvida. E nem quando fingiu poder substituir um profissional da envergadura de Paulo Tarso Flecha de Lima, um dos maiores nomes de nossa diplomacia, afastado por uma picuinha de FHC - aquele a quem Serjão Motta, premonitório no leito de morte, advertia para que não se apequenasse... O Senado jamais havia visto coisa igual, com protelação seguida, comentários jocosos, informações comprometedoras, coisas graves ditas em voz baixa e dossiês que congestionaram escaninhos e arquearam sobrancelhas. Foi, sim, raspando, para o Palácio Dora Phampilli, muito menos por mérito seu, do que por situação resumida pelo comentário ácido do senador Roberto Requião: "Esse, é uma fratura exposta".
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O que, porém, mais me impressiona, é a amnésia do sub da sub. Em 2001, por exemplo, viu seu próprio pai, Giannandrea Carmine Matarazzo, depois de denúncias do conceituado jurista Cid Vieira de Souza Filho, ser apontado pelo promotor João Estevam da Silva como "chefe de bando ou quadrilha" por desvios da ordem de R$ 18 milhões dos cofres do Colégio Dante Alighieri. A inclusão do nome de Andrea - que não foi denunciado no processo e tinha status de Ministro de Estado - garantiu, providencialmente, o foro privilegiado e o sigilo de justiça para seu pai e mais vinte e tantos colegas, "comparsas" para o MP. Atuaram em socorro dos nobres enlameados a toga disponível de Nélson Jobim e a gaveta sonolenta de Geraldo Brindeiro. Serão esses senhores as "pessoas de bem" que se acham "furiosas" com a recondução de um banqueiro falido ao conselho de uma fundação igualmente falida?
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Quando seu nome, ao lado de seus colegas Bresser Pereira, Ricardo Sérgio de Oliveira e Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, foi apontado pela Folha de S. Paulo no célebre rombo de mais de R$ 10 milhões na contabilidade da campanha de reeleição de FHC, onde funcionou um dos maiores caixa 2 da história eleitoral brasileira, coisa de fazer corar os falecidos PC Farias e Delúbio Soares, a indignação do rejeitado ex-morador da Piazza Navona sequer deu o ar de sua graça.
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As gerações nem sempre apuram os valores familiares. Ao contrário. No mais das vezes, podem substituir empreendendores como o velho conde Francisco Matarazzo, um dos pais da industrialização do Brasil moderno, por esse seu descendente, arrecadador de dinheiro para campanhas eleitorais e valentão de coluna social. Assim é a vida.
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Sunday, June 25, 2006

As carpideiras picaretas
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Brilhante e irrespondível artigo de Antonio Machado no Correio Braziliense (www.correioweb.com.br), verdadeira autópsia em defunto putrefato, mostrando toda a sordidez e picaretagem que cerca o fim da velha marafona dos ares. Merece a transcrição.
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Enigmas aéreos
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Sobre a Varig tudo é nebuloso. E quem dela se aproxima parece possuído pelo impulso de transgredir
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Por Antônio Machado - cidadebiz@correioweb.com.br
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Entre as manobras heterodoxas para manter a moribunda Varig no ar e o seu enorme passivo, acima de R$ 7 bilhões — mas, se fizerem as contas bem feitas, pode chegar a R$ 10 bilhões —, há mais coisas estranhas do que sugere a boa vontade do governo em acudir tantos lesados por uma situação insustentável há uma década. Sobre a sua longa agonia muito se escreveu. Mas quanto mais se lê sobre o fim de uma empresa, que em seu auge, nos anos 70 e 80, era eleita como das mais eficientes no mundo, menos se entende. Se estava insolvente desde a metade da década passada, como pôde continuar se financiando junto a seus próprios credores? Olhe que nenhum deles é café pequeno. Tem da Petrobrás à Boeing, que aluga parte dos jatos de uma frota totalmente arrendada. Tem a Infraero, locadora de todas as instalações da Varig nos aeroportos. E também a Receita Federal, o INSS, a CEF, funcionários dispensados, pois há anos ela deixou de recolher os impostos, contribuições sociais, taxas, FGTS, direitos trabalhistas. Não podia estar mais suja.
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Estava em coma, vivendo de aparelhos, e do coma nunca saiu. Como, então, além de manter o crédito na praça, afundando cada vez mais quanto mais se endividava, pôde habilitar-se a ter débitos fiscais refinanciados em 180 meses pelo regime do PAES? Endividar-se junto ao fundo de pensão Aerus, dos funcionários? “Conseguimos provar com documentos detalhados que a atuação da União foi criminosa na fiscalização desse fundo de pensão”, disse o advogado Luís Antônio Castagna Maia, em reunião com os sindicatos que o contrataram para acompanhar sua liquidação. “A mantenedora usava recursos do Aerus para se financiar, o que é absolutamente criminoso e ilegal.”
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A Varig fez tudo isso formalmente, segundo um de seus muitos ex-presidentes da fase terminal, que entrou, viu a feiúra do quadro e se mandou. Mas, informalmente, permitiram aos cardeais da Fundação Ruben Berta, dona da Varig, até dar nó em pingo d’água, como as liminares expedidas pela Justiça contra a Infraero, numa outra espécie de financiamento — no caso, para não recolher tarifas de embarque retidas na venda de passagem e de pouso e decolagem.
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Doente escondido
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Um espanto! Em nenhum momento, dos governos FHC a Lula, se cogitou seriamente em dar um basta, pelo menos enquanto ela tinha valor de marca e patrimônio, bichado, mas com certo charme. Seu patrimônio era negativo e só aumentou. Havia e há, agravada, uma persistente insuficiência de geração de caixa — sinal de que os custos, o que inclui uma folha que a faz se assemelhar a uma estatal, não a uma empresa privada, passaram-se os anos e ainda excede as receitas. Nem assim ocorreu aos doutores da República interromper a sangria dos dinheiros públicos. Assim como as famílias antigas escondiam o parente desenganado, ninguém falava da crise da Varig, no governo, até que se tornou impossível esconder as suas chagas.
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Leilão de vento
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E a Justiça? Merece um capítulo especial o dia em que for escrita a crônica da decadência da Varig. Seu acionista controlador é uma fundação sujeita, pela lei, à fiscalização do Ministério Público. Não deve nunca ter sido fiscalizada ou, se foi, o fiscal devia ser míope. Já com o pé na cova, teve a sua concessão renovada no final de 2004 pelo governo, embora houvesse documentação suficiente para cassar a permissão para voar. Mas... Alto lá! Se é concessão, o que o juiz Luiz Roberto Ayoub, da 8ª Vara Empresarial do Rio, o protagonista aparentemente final desta tragicomédia, pôs em leilão dias atrás? Se os aviões estão alugados e as rotas, os hangares e os balcões nos aeroportos são do Estado, o que há para vender? Não teria sido sensato o governo retomar o que é seu, para estancar o sangradouro, e, com um leilão, tentar recuperar parte do prejuízo?
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Bom senso nenhum
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Mistérios. Sobre a Varig tudo é nebuloso. Quem dela se aproxima, sabe-se lá porque, parece possuído por um impulso de transgredir leis e o bom senso. Pegue-se o juiz Ayoub. Lá pelas tantas mandou a BR Distribuidora fornecer combustível à Varig, mesmo ela estando inadimplente. Desde quando um juiz pode obrigar uma empresa, mesmo que estatal, a aviltar o seu interesse? Não atentou que o seu ato aumentou a insegurança jurídica que já permeia os investimentos no país? Perguntas. É o que mais se faz. Se apenas uma tivesse tido a resposta no tempo certo, a Varig seria hoje uma beleza.
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Do jeito como caminha o seu final, a Varig sairá de cena como um ente material e ressuscitará, em seguida, como um fantasma que por muito tempo atazanará a vida dos que permitiram tantos desatinos. São tão bisonhos os erros e omissões, que não deverá ser difícil aos funcionários, por exemplo, processar a União e ganhar. Já os credores vão chorar ao bispo. Crescidos, sabiam o que faziam ao financiar uma frota de vento, mesmo as estatais, cujas diretorias têm de aprender a dizer não ao Executivo. Não procurem santos, que eles não existem nesta história.
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Todos têm parte na falência múltipla de uma empresa que chegou a ser uma jóia valiosa. Ninguém — os acionistas, funcionários, o seu fundo de pensão, o governo, os credores — toparam, em algum tempo, sacrificar parte de seus interesses para tentar se construir uma solução. Não faz meses e o sindicato cobrava reajuste salarial...
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Friday, June 23, 2006

O conteúdo deste blog
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já pode ser encontrado,
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também, no site
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Trilha sonora para o réquiem da defunta
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Saudades dos aviões da Panair
(Milton Nascimento & Fernando Brant)
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Lá vinha o bonde no sobe e desce ladeira
E o motorneiro parava a orquestra um minuto
Para me contar casos da campanha da Itália
E de um tiro que ele não levou, levei um susto imenso
Nas asas da Panair
Descobri que as coisas mudam e que o mundo é pequeno
Nas asas da Panair
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E lá vai menino xingando padre e pedra
E lá vai menino lambendo podre delícia
E lá vai menino senhor de todo fruto
Sem nenhum pecado, sem pavor
O medo em minha vida nasceu muito depois
Descobri que a minha arma é o que a memória guarda
Dos tempos da Panair
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Nada existe que não se esqueça, alguém insiste e fala ao coração
Tudo de triste existe que não se esquece, alguém insiste e fere o coração
Nada de novo existe neste planeta que não se fale aqui na mesa de bar
E aquela briga e aquela fome de bola
E aquele tango e aquela dama da noite
E aquela mancha e a fala oculta
Que no fundo do quintal morreu, morri a cada dia dos dias que vivi
Cerveja que tomo hoje é apenas em memória dos tempos da Panair
A primeira Coca-Cola foi, me lembro bem agora, nas asas da Panair
A maior das maravilhas foi voando sobre o mundo nas asas da Panair
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Em volta dessa mesa velhos e moços lembrando o que já foi
Em volta dessa mesa existem outras falando tão igual
Em volta dessas mesas existe a rua vivendo o seu normal
Em volta dessa rua uma cidade sonhando seus metais
Em volta da cidade...
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ruynogueira@uol.com.br

Tuesday, June 13, 2006

Varig, a hora está chegando
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(Esse pequeno texto é dedicado à memória da Panair do Brasil e é singela homenagem aos seus funcionários ainda vivos, que podem contemplar o final vergonhoso e merecido de sua algoz, a defunta)
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Apesar da chicana de um juiz que extrapolou de suas funções; apesar do estelionato de funcionários mal intencionados agrupados em torno de uma empresa-fantoche, a TGV; apesar do terrorismo de seus funcionários arrogantes e presunçosos; apesar de bandidos como Bóris Berezovsky estarem "operando" soluções miraculosas; apesar do juiz Ayoub ter obrigado a BR distribuidora a fornecer combustível pelo qual jamais irá receber um real; apesar da Infraero já ter quase R$ 600 milhões de dívidas penduradas dessa empresa incompetente e caloteira; apesar de milhares de passageiros já estarem mofando em aeroportos do Brasil e do mundo; apesar de quase 30 jatos estarem no chão, sem manutenção, canibalizados; apesar de tudo isso e um pouco mais, o Brasil se prepara para perder (prazeirosamente, é bom que se registre) um dos últimos bastiões do atraso e da incapacidade empresariais.
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O fim da Varig é motivo de alívio para os cofres públicos, para os contribuintes e para o país. O término de suas operações - espantosamente sem um acidente nessa fase, por puro milagre - deixará no mercado apenas as empresas modernas, ágeis e regidas pelas leis do mercado e ordenadas pela preferência dos usuários. Cai um dos símbolos do atraso na economia nacional e na vida dos brasileiros.
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Deixando bilhões de dívidas, caloteando a Nação e milhares de credores, explode uma empresa racista, familiocrata, degenerada, sócia da ditadura militar, que espionou para os nazistas durante a segunda guerra, que espionou exilados para o regime de 64, que tramou a morte da Panair do Brasil, que comprou políticos e corrompeu brigadeiros, que fez negociatas e pagou mensalões, que promoveu orgias e traficou influências, que se fartou do monopólio durante décadas atrasando o desenvolvimento do Brasil e prejudicando os brasileiros, que cobrou tarifas extorsivas e humilhou seus passageiros como se lhes fizesse um favor em transportá-los, que nadou de braçada nos céus de lama dos anos de chumbo.
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Que a terra lhe seja pesada. Não deixará, como a Panair, qualquer saudade. Só dívidas e lesados.
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10, 9, 8, 7, 6, 5, 4...
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ruynogueira@uol.com.br

Friday, June 09, 2006

Toca o enterro, Ayoub!
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Depois do espetáculo patético onde um juiz de direito, exorbitando de suas funções, faz discurso político e é aplaudido de pé, com fervor xiita, por 1.300 funcionários de uma empresa quebrada - processo no qual eles, os mamadores, tem grande culpa - e só um "comprador" aparece, é hora de, como no trágico verso de Augusto dos Anjos, enterrar a última quimera. Chega! Basta! A incompetência, a desonestidade, a apropriação indébita das taxas da Infraero, o combustível tomado (por decisão inédita e do mesmo juiz) da Petrobrás (e que jamais será pago!), a manutenção precária e que poderá causar sérios incidentes (vejam como estou sendo elegante: in-ci-den-tes...), não podem mais ser tolerados.
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O obscuro TGV, que apresentou a pífia "proposta" no leilão da defunta, faz - segundo o Sindicato Nacional dos Aeronautas em seu site (www.aeronautas.org.br), "gangsterismo"! Está lá, eu lí! E é esse o comprador, o salvador, o grupo empresarial que vai salvar a moribunda marafona dos ares?
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Além do farto noticiário de toda a imprensa nacional, há o do "Correio Braziliense" (www.correioweb.com.br) com imperdível entrevista do presidente da Infraero, brigadeiro José CarlosPereira. Mais lúcido, impossível.
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AVIAÇÃO
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Varig é desacreditada
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Concorrentes desistem de oferecer lance pela companhia e a única proposta, de apenas US$ 449 milhões, coube aos trabalhadores da empresa. Analistas acreditam que o risco de falência ainda é muito alto
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Mariana Mazza, Da equipe do Correio
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O leilão de venda da Varig, ontem no Rio, atraiu muitos investidores, mas nenhum se interessou em adquirir a companhia
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A crença de que a Varig conseguiria se salvar por meio de uma solução de mercado caiu por terra ontem. O melancólico leilão da companhia atraiu investidores privados, especialmente concorrentes do setor. Mas, apenas como observadores. A única proposta partiu dos trabalhadores da empresa, representados pela NV Participações. A rejeição do setor em investir na recuperação da Varig praticamente selou as possibilidades de uma reversão da profunda crise financeira da companhia. A decisão se a aérea fechará as portas imediatamente ou se conseguirá uma sobrevida de alguns meses será conhecida apenas hoje. O juiz responsável pelo caso, Luiz Roberto Ayoub, pediu 24 horas para se pronunciar sobre a proposta da NV Participações, feita apenas na segunda rodada do leilão, onde eram permitidos lances abaixo do preço mínimo. Na primeira rodada, o piso para a venda da Varig era US$ 860 milhões. A oferta da NV foi de US$ 449 milhões, quase metade do preço mínimo, mas acima do valor vil da empresa, estipulado em US$ 420 milhões. O clima ontem era de ceticismo sobre a capacidade de a oferta restabelecer definitivamente as operações da aérea. A proposta eqüivale a R$ 1,010 bilhão, mas apenas R$ 285 milhões — menos de um quarto do total — será pago em dinheiro vivo. A maior parte da oferta, R$ 500 milhões, é respaldada em uma emissão futura de debêntures para participação nos lucros da nova companhia. Os demais R$ 225 milhões virão da renúncia de créditos trabalhistas que os funcionários têm a receber. De acordo com o último balanço divulgado pela aérea, em setembro de 2005, as dívidas com empresas privadas, estatais e funcionários estão na casa dos R$ 5,686 bilhões. Ou seja, apenas 5% do passivo seria quitado imediatamente com o pagamento em dinheiro, caso a proposta seja aceita. Para colocar a mão no restante da oferta, os credores terão que esperar mais um tempo. E, ainda assim, faltariam R$ 4,676 bilhões em dívidas que a NV não será obrigada a arcar, caso leve os ativos da Varig Operacional. Falência aguardada Gol, TAM, Ocean Air e um fundo de investimento chamado Céu Azul chegaram a se credenciar, mas desistiram da disputa. O presidente da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), brigadeiro José Carlos Pereira, acredita que tudo não passou de uma simples estratégia de mercado. A morte da Varig é mais vantajosa para as concorrentes do que a aquisição. O motivo é que, se a aérea falir, as cobiçadas rotas nacionais e internacionais voltam à União e qualquer companhia poderá pedir o horário de vôo à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). “Para que alguém iria investir na Varig podendo conseguir o que quer de graça?”, arremata o presidente da estatal. Após o leilão de apenas 20 minutos, o tom fúnebre se espalhou entre os envolvidos no setor. O presidente da Anac, Milton Zuanazzi, admitiu que a agência está pronta para aplicar um eventual plano de contingência, caso seja decretada a falência da Varig. Em Brasília, o ministro da Defesa, Waldir Pires, lamentou o desinteresse dos investidores e eximiu o governo de culpa pelo iminente fim da companhia. “Fizemos o que foi possível, dentro da lei, para que não faltassem os insumos básicos que permitissem que a Varig continuasse operando”, afirmou. Na contramão, o presidente da aérea, Marcelo Bottini, e o juiz Ayoub saíram otimistas. Bottini disse ter ficado “muito contente” com a aparição de um interessado. Ayoub, que a Varig é uma empresa viável, “com problemas de curtíssimo prazo”. Mas, ao final do dia, o mercado deu outra prova da descrença no futuro da aérea, que já foi a maior da América Latina. As ações da companhia caíram 58% no pregão da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), encerrando o dia cotadas a R$ 1,51. Enquanto isso, as ações da Gol e da TAM subiram 4,92% e 7%, respectivamente.
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Solução não cai do céu
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O final trágico do leilão da Varig, com apenas uma proposta feita pelos funcionários, podia ter sido evitado. Os vilões não foram as concorrentes, que desistiram da empreitada na última hora, ou o governo, que não ajudou a companhia. O cerne do problema está dentro da própria Varig, que não investiu de fato no seu processo de recuperação judicial, confiante de que alguma solução cairia do céu. São cinco anos de crise, um dentro da nova Lei de Falências. Tanto tempo se passou e pouquíssimo foi feito para evitar a derrocada da companhia. Apostou na nova da nova Lei de Falências e iniciou um processo de recuperação judicial em 2005. A opção foi boa. A condução, não. A Varig levou meses para criar um plano de recuperação. O texto foi aprovado apenas em dezembro de 2005 e jamais aplicado efetivamente. A aposta era que, quando todas as opções acabassem, ainda haveria algum investidor disposto a comprar a empresa. O sinal ontem foi claro: a Varig, agora, vale mais no chão. É inegável o valor da marca da aérea, mas nome não paga dívidas de R$ 6 bilhões. A Varig escorou-se na crença de que o governo não a deixaria falir. Errou. Apostou suas últimas fichas na idéia de que um investidor pagaria pelo nome da empresa. Errou de novo. A Varig se beneficiou mais de uma vez dos problemas de suas concorrentes. Agora, será a vez delas. (MM)
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Entrevista - brigadeiro José Carlos Pereira, presidente da Infraero
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Infraero sem esperanças
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Há poucos meses na presidência da Infraero, o brigadeiro José Carlos Pereira, não titubeia ao falar o que pensa sobre a crise da Varig. Acredita que não há mais salvação e que a Justiça não deve aprovar a proposta feita ontem. Também concorda com a postura das concorrentes, que apenas esperam a falência da empresa aérea. “Esse é o jogo do mercado.”
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Porque não surgiram investidores privados no leilão?
Para que uma pessoa vai gastar dinheiro com uma coisa que pode conseguir de graça? Se eles não fizerem nada, a Varig cai sozinha. E as linhas caem no seu colo de graça.
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A aprovação da proposta da NV Participações é suficiente para salvar a Varig?
Eu não acredito que ela seja aprovada. O dinheiro não é suficiente para tirar a Varig da crise. Serve apenas para dar uma sobrevida. Mas a agonia voltará logo em seguida.
De quanto tempo seria essa sobrevida?
A Varig não vai longe. Daqui há seis, sete meses ela entra em uma grande crise de novo.
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O senhor acredita que a Varig pagará a dívida com a Infraero?
A apropriação indébita da Varig das taxas de embarque já chega a R$ 27 milhões. Se eu receber isso, já me considero feliz. Porque a dívida corrente mesmo é de R$ 540 milhões. E sabe quando que a Varig vai me pagar? Nunca. Para nós da Infraero não tem muito nhenhenhe. Qualquer número acima de zero, já é vantagem. Existe alguma saída, caso o leilão fracasse? Para a Infraero, a única coisa que nos resta agora é rezar. Não há mais nada a fazer.
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Tuesday, June 06, 2006

A toga do anjo
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O juiz da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, o Dr. Ayoub, que conduz o processo envolvendo o leilão da defunta Varig, segundo a Folha de S. Paulo de hoje, se autodenominou "anjo da guarda da Varig". Disse que não troca as suas 130 mil milhas no programa Smiles, que valem viagens aos EUA e à Europa, por "acreditar na viabilidade da empresa". Disse, também, o anjo de toga, que a defunta "trás R$ 1 bilhão de dólares de divisas para o país todos os anos" (sic). Disse tanta coisa o Dr. Ayoub...
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Num país mais sério o Dr. Ayoub não estaria fazendo as coisas que faz, falando as coisas que fala ou se acreditando um expert nos místeres de um assunto tão complexo, especializado e intríncado como a aviação comercial. Nem, quem sabe, cometendo o ledo ivo engano de se acreditar um iluminado que pode salvar a marafona dos ares depois de décadas de gestões ruinosas. Seria um crime colocar no mesmo cockpit um homem honrado como o Dr. Ayoub e os ladravazes que mataram a falecida. Cabe ao magistrado encomendar a alma, não se acreditar um bruxo que pode ressuscitá-la. É lamentável. Mas, anotem aí: isso não vai acabar bem. O Dr. Ayoub precisa ser brecado, imediatamente. Ele está, claramente, exorbitando de suas funções. Não acredito que pelo fato de ter milhas no programa de fidelização da defunta, paire sobre o magistrado qualquer suspeição. Em absoluto, ele é um homem honrado. Mas conceder uma liminar obrigando que a BR Distribuidora entregue combustível à uma empresa quebrada e inviável sem receber o necessário pagamento, é um escárnio, um desrespeito aos contribuintes, uma ofensa a todos nós.
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O Dr. Ayoub, perguntado sobre o provável e anunciado fracasso do leilão da defunta, disse o seguinte: "Se ninguém arrematar, o processo vai para outra fase, que eu vou decidir qual é." Ora, se não aparecer um comprador (um doido ou aventureiro, é óbvio), depois de terem até adiantado a data do leilão, fica claro o que sabem até os urúbus do lixão da Ilha do Governador, a poucos metros do hangar da defunta (onde estão parados mais de 20 aviões por falta de peças de reposição, por falta de crédito, por falta de ação da ANAC): nada mais há a ser feito. A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou. E agora, Ayoub?
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ruynogueira@uol.com.br
A justiça é cega, mas voa muito...
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Transcrevo abaixo um despacho da Folha Online sobre o juiz Ayoub, aquele da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, que tem feito tudo e mais um pouco em favor da sobrevivência da defunta. Atuando como um plantonista de UTI, o Dr. Ayoub já obrigou a Petrobrás, através da BR Distribuidora, a continuar abastecendo os jatos penhorados da caloteira mesmo sem o devido pagamento! Já assegurou (não é exagero meu, saiu nos jornais) que se algum aventureiro topar o suícidio de ficar com os destroços, "não herdará as dívidas fiscais" e nem a pesada herança trabalhista! Pode ser que o doutor se abespinhe, mas o meretíssimo está se excedendo em suas atribuições. E o que é pior - como naquele poema de Ascenço Ferreira - PARA NADA...
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"Juiz do caso Varig diz ter 130 mil milhas da empresa


IVONE PORTES da Folha Online (
www.folha.com.br)
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O juiz Luiz Roberto Ayoub, da 8ª Vara Empresarial do Rio, afirmou hoje que tem 130 mil milhas acumuladas no programa de fidelização da Varig, o Smiles.Como possui milhas da empresa, o juiz, que trata do processo de recuperação judicial da Varig, poderia ser considerado parte suspeita no processo, segundo advogados ouvidos pela Folha Online que não quiseram se identificar.O artigo 135 do Código de Processo Civil estabelece que em processos em que uma das partes é credora ou devedora do juiz, o magistrado pode ser considerado suspeito na ação. Como suspeito, ele poderia até mesmo ser afastado do caso se houver solicitação de alguma das partes.Os advogados ouvidos pela Folha Online admitem, entretanto, que o interesse do juiz no caso é bastante distante e haveria pequenas chances de seu afastamento mesmo que um pedido venha a ser apresentado.Hoje o juiz deu novas declarações favoráveis à Varig. "Se eu não acreditasse na recuperação [da Varig] teria decretado falência há um ano", disse hoje o juiz, responsável pelo processo de recuperação da companhia aérea.Durante evento sobre um ano da nova Lei de Falências, promovido pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), em São Paulo, o juiz voltou a afirmar que não haverá risco de o comprador da Varig herdar as dívidas trabalhistas e fiscais da companhia aérea.Ontem, uma nova determinação do juiz confirmou que não haverá sucessão de dívidas para o comprador da Varig. Segundo ele, o objetivo da lei é criar um cenário atrativo para garantir e estimular a venda da companhia pelo melhor preço."
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Saturday, June 03, 2006

O precioso ridículo


Um dos maiores crimes contra a educação no Brasil foi cometido no governo de Geraldo Alckmin, o candidato (?) dos tucanos à sucessão presidencial. Ele entregou o comando da educação no Estado mais poderoso do país a uma figura tão ou mais provinciana e medíocre que ele próprio. Fomos descobrindo através das colunas sociais, de uma ordinária TV a cabo, a “Canção Nova”, onde ele é uma estrela celebrada diuturnamente, das revistinhas de mexericos, de festanças na Daslú e de comentários nos meios políticos, da existência do protegido de dona Lú Alckmin e de sua maneira, digamos, muito fútil de levar a vida.

Diante de nossos muxoxos, de nossa repulsa, de nossa estranheza e, essencialmente, diante de nossa incredulidade e inação, Gabriel Chalita foi conquistando espaço, impondo sua presença lastimável, seu estilo milongueiro e folclórico, seus ademanes janotas, sua ignorância sesquipedal, sua afrontosa e absoluta falta de senso do ridículo, sua total incapacidade em assuntos da área educacional e foi desempenhando papéis menores e pitorescos.

Como secretário da educação de Geraldo Alckmin, Gabriel Chalita protagonizou capítulos inesquecíveis na vida pública paulista. Em junho de 2004, por exemplo, pagou incríveis R$ 9,9 milhões por uma inusitada pesquisa acerca da “qualidade do ensino” em nosso Estado e, na hora festiva da apresentação, retirou todos os indicadores negativos, omitiu todos os dados que depunham de forma impressionante contra sua desastrada gestão, e – diante da denúncia dos sindicatos e do pasmo generalizado – deu à imprensa uma explicação digna de um bambi saltitante nas pradarias verdejantes da terra encantada: “Não é edificante”!

Edificante deve ser o apartamento de 1.500 metros quadrados que o ilustre comprou em um edifício de banqueiros no coração de Higienópolis. Duplex e com piscina, com valor estimado em US$ 2 milhões, o palacete suspenso não deve ter sido comprado com os direitos autorais dos 39 livros que ele teve a coragem de cometer e publicar em menos de 37 aninhos de vida... Vai pro Guiness: um por ano, desde bebê! Nem verdadeiros campeões de vendas como os escritores Jorge Amado, Paulo Coelho e Paiva Netto, poderiam comprar imóvel assim com direitos autorais em um país onde não se lê. Depois que a colunista Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo, no mesmo mês de junho de 2004, registrou a estranha aquisição imobiliária do pitoresco Chalita, um deputado da base parlamentar do próprio Alckmin na Assembléia Legislativa, o vigilante Afanásio Jazadji apresentou requerimento de informações para saber de onde provinha a bufunfa da compra do imóvel milionário. E, pela imprensa, já tratou de desmontar a versão pretendida: “Não é fruto da venda de imóveis herdados, já que ele é de uma família muito humilde lá de Cachoeira Paulista, no Vale do Paraíba”. Na intimidade, um enfurecido Chalita responsabilizou a socialite Nancy Izzo, sua amiguinha, pelo vazamento da informação à colunista. Teria confidenciado, alegrinho, a compra do apê e a amiga, falsa que só ela, deu com a língua nos dentes. Coisas da vida, darling.

O mesmo e combativo deputado Afanásio quer saber sobre a variação patrimonial de Chalita, o protegée de dona Lú. Em 2000 o rapaz tinha R$ 741.413,00 em bens diversos. Dois anos depois, ocupando a Secretaria da Educação de São Paulo, saltou para expressivos R$ 1.978.576,00! Direitos autorais? Palestras? Doação de tias ricas? Ganhou no jogo-do-bicho? Encontrou petróleo lá em Cachoeira Paulista?

Chalita tem o péssimo hábito de só se locomover pelo interior de São Paulo em helicópteros e jatinhos de empresas de táxi aéreo. Gastou uma fábula dos recursos de sua pasta com esse seu caríssimo fetiche de deslumbrado. O detalhe mortal: voava sem licitação, ilegal e irregularmente, ferindo a lei e mostrando a sua total amoralidade no que diz respeito ao cumprimento dela. E nessas viagens de super-star pela interlândia paulista, Gabriel Chalita jamais teve uma reunião de trabalho, um encontro sério, uma jornada produtiva. Jamais! Sempre se dirigia ao palco previamente encomendado e declamava poemas ridículos, cantava canções ridículas, expedia conceitos ridículos de auto-ajuda e pregava uma doutrina de sua suave autoria, a “educação pelo afeto”, que ninguém sabe direito o que é, mas quase todos apostam ser apenas mais um misto de leviandade e frescura. Isso, meus amados leitores, na terra de Paulo Freire e Anísio Teixeira...

Foi sob o seu comando débil e incapaz que a FEBEM enfrentou os seus piores motins, as sublevações mais traumáticas, as denúncias mais escabrosas. Foi debaixo de sua augusta direção que foram escritas as páginas mais sangrentas da história dos internos daquele inferno, bastante piorado nos anos Alckmin. Hoje todos os tucanos torcem para que não se recorde do que o agora candidato presidencial fez com a instituição, entregando-a ao incapaz Chalita. Já com relação ao dito cujo, os que estudam e acompanham a delicada questão dos menores infratores só se lembram de sua ação, por assim dizer, relativa ao interno Edgar Brosten, um garotão bonito, espadaúdo, que conquistou a confiança do fraternal secretário. A tal ponto foi a amizade entre eles que Chalita levou Edgar para o seu cerimonial (acreditem: a Secretaria da Educação tinha cerimonial, um Itamaratyzinho particular, nos anos Chalita!!!). Edgar, o felizardo, viajava no helicóptero com Chalita e sua vida parecia um sonho. Até que no dia sete de agosto de 2002, em Guarulhos, o eleito - gozando de total liberdade, fora da FEBEM - resolveu estuprar uma menor de idade. Tudo foi feito para se abafar o caso (sem trocadilho), mas a história vazou. Termina aqui o histórico da atuação do pedagogo Gabriel Chalita na deplorável FEBEM do governo Geraldo Alckmin.

Gabriel Chalita mereceu matéria interessantíssima, em verdade um pequeno e verdadeiro perfil, mesmo que cruel, na edição da revista Veja desta semana. Os repórteres Sérgio Martins e Heloísa Joly conseguiram, em poucos parágrafos, descrever o ridículo de sua suposta produção intelectual. Dezenas de livros e um até agora impensado CD intitulado “Gabriel Chalita canta o amor”, são reduzidos a pó de traque. Aos poucos, vai-se rasgando a fantasia de uma fraude anunciada.

Figuras carregadas de ridículo como a desse indivíduo conseguem espaço e fazem carreira tanto por nosso desprezo, que assepticamente nos recusamos a levá-los a sério, quanto pela sem-cerimônia com que se lançam ao alpinismo social, ao arrivismo puro e simples, à enlouquecida disputa pelo poder político. Não faz muito ele adentrou os salões da mofada e imprestável Academia Paulista de Letras, tornando-se um "imortal". Lá convive com ridículos e desconhecidos escritores que exalam naftalina mas não tem livros (nem nunca tiveram) nas listas dos mais vendidos, inúteis e amofinados que são. A chegada do desfrutável Chalita era o toque que faltava para a desmoralização completa daquele ex-sodalício...
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Gabriel Chalita é candidato a deputado federal. Já quis ser prefeito de São Paulo e insinuou-se na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes. Pode até, quem sabe, tornar-se Ministro da Educação do Brasil. Não é absurdo, convenhamos. É que no ovo da serpente escondeu-se o precioso ridículo.
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Thursday, June 01, 2006

Os dias do fim
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Bastante interessante o editorial de hoje do jornal O Estado de S. Paulo, o secular "Estadão", sobre os malabarismos, as safadezas, os protecionismos que estão sendo utilizados para prolongar na UTI a vida que se esvai da defunta Varig. O título é, de cara, uma ironia...
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Tenho acompanhado, curiosíssimo, a comédia de desacertos, malandragens e mentiras acerca da defunta. O leilão, "micado" segundo um grande jornal em sua edição de hoje, chegou a ser antecipado, bandidos de todas as partes se anunciaram promitentes compradores e, também, vários grupos já declararam seu desinteresse e os que compraram o data-room com as informações que expõe as vísceras da falecida, o fizeram por um simples motivo: o acesso às informações confidenciais que contém. Nada ético, convenhamos, mas válido no capitalismo.
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Agora que os Napoleões do manche e as bandeijeras enfurecidas já nem me escrevem espinafrando-me, a fatura está prestes a ser liquidada. É paradigmático, é necessário, é importante para o país que a safadeza empresarial, a má gestão e o péssimo hábito de se mamar nas tetas do Erário sofram um golpe mortal e uma lição didática com o fim de uma empresa decadente, prebendária e inviável. O mercado já se encarregou de ir suprindo as lacunas que seu fracasso foi abrindo e sua morte quase nenhum transtorno causará. O Brasil tem muito a aprender com a quebra da defunta e a observar com a maneira indolor com que será substituída, pouco a pouco, pelas atuais e pelas novas empresas aéreas que surgirão. A morte da Varig é uma excelente notícia para o Brasil.
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"O milagre da Varig
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O governo, os funcionários, os consultores contratados, o juiz que preside o processo de recuperação judicial e a diretoria da Varig estão fazendo verdadeiros malabarismos para manter a empresa funcionando. Não é por falta de esquemas engenhosos e grandiosos que a Varig não sai do buraco onde foi metida por muitos anos de gestão ruinosa. Nos últimos tempos, não se passa uma semana sem que surja uma fórmula milagrosa de recuperação, apoiada em avaliações que "provam" que a empresa não apenas é viável como pode recuperar, em prazo curto, a participação majoritária que teve na indústria brasileira do transporte aéreo.Algumas semanas atrás, o governo autorizou o BNDES a estender a mão à Varig. Nos primeiros dias do governo Lula, o Palácio do Planalto fazia saber que a Varig levava o bom nome do Brasil para o Exterior e, no que dependesse das autoridades, a empresa não seria derrotada por passageiras dificuldades financeiras. Não demorou muito para que as autoridades, percebendo a real situação, passassem a advogar uma "solução de mercado" para a crise.Com a proximidade das eleições e tendo os funcionários da empresa promovido ruidosas manifestações de rua e no Congresso, o governo reviu sua posição, oferecendo ajuda do BNDES. Mas a oferta foi sibilina. O BNDES colocou US$ 166,6 milhões - número cabalístico cujo significado só os iniciados conhecem - à disposição, não da Varig, mas de outras empresas que se dispusessem a tomar o empréstimo-ponte e repassá-lo à companhia aérea. Implicitamente, o BNDES não reconhecia a idoneidade da Varig como tomadora de crédito - o óbvio numa empresa que tem um passivo reconhecido em juízo de RS$ 7,9 bilhões, quase todo a descoberto. As três empresas que se candidataram não ofereceram garantias e, assim, o empréstimo-ponte não foi concedido.A ajuda real para que a empresa, atolada em dívidas e sem capital de giro, pudesse continuar funcionando veio do juiz Luiz Roberto Ayoub, da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, onde tramita o processo de recuperação judicial da Varig. Por meio de decisão liminar, ele determinou à BR Distribuidora que forneça à Varig combustível a crédito. Trata-se de decisão rara nos anais da Justiça, pois obriga um fornecedor a tomar calote que supera os RS$ 70 milhões e cresce diariamente, sob pena de desobediência à ordem judicial.Há outras coisas estranhas, na tentativa de recuperar a empresa. Por exemplo, decidiu-se vender parte da Varig, em leilão, por US$ 860 milhões, se o comprador quiser as rotas nacionais e internacionais, livres de dívidas; ou por US$ 700 milhões, só com as rotas nacionais e igualmente sem ônus. Não está à venda a "parte comercial" da empresa, o que inclui o programa de milhagem, a área de marketing e os balcões de vendas de passagens. Essa parte continuará em recuperação judicial, assumindo todas as dívidas, amortizadas pelo valor arrecadado no leilão. O restante será pago com a receita que a "parte comercial" produzir. Não é fórmula para qualquer mortal compreender, mesmo porque qualquer um que disponha de US$ 700 milhões, ou US$ 860 milhões, poderia montar uma empresa aérea nova, sem a herança da falência e de maior porte do que o que restou da Varig. Além disso, o comprador dificilmente se livrará de uma enxurrada de processos de credores da Varig, que não se conformarão em ver seus créditos jogados numa "empresa" pouco capaz de gerar receita.Só se entende a arquitetura desse negócio quando se fica sabendo que o edital do leilão dispensa a pré-qualificação dos eventuais compradores e acelera o processo de capitalização da parte a ser leiloada. Para isso, o comprador terá de fazer um depósito de US$ 75 milhões três dias após o leilão. Se a Justiça e a Agência Nacional de Aviação Civil não concluírem em 30 dias a análise do contrato, o comprador terá de depositar mais US$ 50 milhões. Esses adiantamentos cobririam as despesas correntes mais urgentes da Varig, constituindo capital de giro.O leilão foi antecipado de 9 de julho para 5 de junho. Quando isso aconteceu, as ações da Varig tiveram uma alta de 98,5% na Bolsa. Fazem-se verdadeiros milagres para manter a Varig voando, mesmo que ela não tenha condições financeiras para funcionar. "
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