Tuesday, June 27, 2006

O Catão da Cracolândia
*
*
"Prá posar de vestal tem que ter cabaço"
Ruth Escobar
**
*
A colunista Mônica Bergamo, na edição de hoje da Folha de S. Paulo, publica curiosíssima nota, onde dá conta de inesperada revolta do ex-secretário de comunicação do governo Fernando Henrique e hoje sub-prefeito da degradada sub-região da Sé, o nobilíssimo Andrea Matarazzo. Vale a transcrição pelo inusitado, envolto por certo ar de ridículo e de falsidade:
*
*
"Edemar do barulho
*
Está armada a confusão na Fundação Bienal, que reconduziu o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira para o cargo de conselheiro. Ele está preso em Tremembé. "É um acinte. Todas as pessoas de bem estão furiosas", diz Andrea Matarazzo, que é do conselho. "Vão levar o livro de posse para ser assinado no presídio de Tremembé? Vamos fazer reuniões lá?", pergunta. Matarazzo deve fazer protesto formal ao conselho."
*
*
De uma forma absolutamente mesquinha o sub-prefeito da sub-região da Sé resolveu cobrar velhas mágoas tripudiando por sobre um homem vencido, banqueiro falido, preso numa penitenciária antes mesmo de ter sido julgado, personagem central de processo kafkiano onde seus defensores apontam a perseguição de um magistrado que já tentou tomar-lhe a própria casa para transformá-la em um museu. Seis anos depois de ter sido enfrentado por Edemar Cid Ferreira, o Conde Andrea Matarazzo, resolveu tornar pública uma coragem insuspeitada até para os frequentadores do seu círculo íntimo, que poderia ter sido exibida em muitíssimas oportunidades anteriores. Com Edemar solto, por exemplo.
*
*
A "coragem" de Andrea Matarazzo vem com mais de meia década de atraso e com o vezo vergonhoso da covardia explícita. É que Edemar peitou o então baronete das verbas de comunicação do governo do príncipe dos sociólogos, pelo desvio de mais de R$ 14 milhões para o pífio pavilhão do Brasil na Feira de Hanover, "operado" por Paulo Henrique Cardoso, primogênito presidencial e notório diletante, em detrimento da Mostra do Redescobrimento, o maior evento cultural brasileiro nos últimos 50 anos, belíssima realização do ex-banqueiro. Há, também, o componente da inveja que atormenta boa parte do society paulistano, que não perdoa a ousadia de Edemar, que com todos os seus pecados, escreveu seu nome na história do mecenato e da cultura brasileira, ao lado de Ciccilo Matarazzo, Yolanda Penteado, Assis Chateaubriand e Niomar Muniz Sodré.
*
*
A "indignação" do Catão da Cracolândia se manifesta frente a um vencido, trancafiado na penitenciária do Tremembé, sem condições de defender-se ou de enfrentá-lo cara-a-cara. Ela não foi exercitada, por exemplo, ao ser indicado para embaixador do Brasil em Roma, quando os senadores da República o submeteram à humilhante espera, ao cabo de sessões onde seu nome foi contestado e sua presumível competência posta em dúvida. E nem quando fingiu poder substituir um profissional da envergadura de Paulo Tarso Flecha de Lima, um dos maiores nomes de nossa diplomacia, afastado por uma picuinha de FHC - aquele a quem Serjão Motta, premonitório no leito de morte, advertia para que não se apequenasse... O Senado jamais havia visto coisa igual, com protelação seguida, comentários jocosos, informações comprometedoras, coisas graves ditas em voz baixa e dossiês que congestionaram escaninhos e arquearam sobrancelhas. Foi, sim, raspando, para o Palácio Dora Phampilli, muito menos por mérito seu, do que por situação resumida pelo comentário ácido do senador Roberto Requião: "Esse, é uma fratura exposta".
*
*
O que, porém, mais me impressiona, é a amnésia do sub da sub. Em 2001, por exemplo, viu seu próprio pai, Giannandrea Carmine Matarazzo, depois de denúncias do conceituado jurista Cid Vieira de Souza Filho, ser apontado pelo promotor João Estevam da Silva como "chefe de bando ou quadrilha" por desvios da ordem de R$ 18 milhões dos cofres do Colégio Dante Alighieri. A inclusão do nome de Andrea - que não foi denunciado no processo e tinha status de Ministro de Estado - garantiu, providencialmente, o foro privilegiado e o sigilo de justiça para seu pai e mais vinte e tantos colegas, "comparsas" para o MP. Atuaram em socorro dos nobres enlameados a toga disponível de Nélson Jobim e a gaveta sonolenta de Geraldo Brindeiro. Serão esses senhores as "pessoas de bem" que se acham "furiosas" com a recondução de um banqueiro falido ao conselho de uma fundação igualmente falida?
*
*
Quando seu nome, ao lado de seus colegas Bresser Pereira, Ricardo Sérgio de Oliveira e Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, foi apontado pela Folha de S. Paulo no célebre rombo de mais de R$ 10 milhões na contabilidade da campanha de reeleição de FHC, onde funcionou um dos maiores caixa 2 da história eleitoral brasileira, coisa de fazer corar os falecidos PC Farias e Delúbio Soares, a indignação do rejeitado ex-morador da Piazza Navona sequer deu o ar de sua graça.
*
*
As gerações nem sempre apuram os valores familiares. Ao contrário. No mais das vezes, podem substituir empreendendores como o velho conde Francisco Matarazzo, um dos pais da industrialização do Brasil moderno, por esse seu descendente, arrecadador de dinheiro para campanhas eleitorais e valentão de coluna social. Assim é a vida.
*
*
Leia, também, no www.ruynogueira.com.br