Wednesday, May 24, 2006

A vingança do doutor Lembo



“Por trás de sua atual abundância,
ainda gemem velhas humilhações
e fomes jamais esquecidas”


Nélson Rodrigues

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O doutor Cláudio Lembo se esqueceu, ao vomitar sobre a “elite branca, má e perversa”, de contar que ele próprio não fez outra coisa em sua vida senão servi-la com enorme aplicação, rigoroso desvelo e impecável disciplina. Desde os corredores do Banco Itaú, como bedel preferido do doutor Olavo, até a vice-governança de São Paulo, passando pela presidência da falecida Arena e pelo secretariado de Jânio na prefeitura paulistana. Isso sem nos esquecermos de estrondosa sova eleitoral, quando disputando o senado contra Montoro e Fernando Henrique, em 1978, o professor Lembo – candidato financiado pela elite branca, má e perversa – chegou em quarto lugar, perdendo para os votos brancos e nulos.

Na ausência de qualquer tipo de iniciativa gerencial, de alguma obra por mais ligeira ou menor que fosse, sem ter o que agregar a uma herança administrativa medíocre, é verdade, mas longe de ser caótica, o cansado bedel do doutor Olavo se vinga da elite paulistana, que lhe financiou uma campanha ao senado – mas não lhe deu o mandato, que o recebeu – mas como agregado, que o usou para esse ou aquele papel secundário – nunca lhe assegurando, porém, o protagonismo, e a escracha, dizendo o óbvio, exorcizando seus próprios demônios, falando a verdade mais cristalina, mas omitindo providencialmente a vassalagem que ele próprio ofertou com seus ademanes de guarda-livros do Mackenzie, seu odor de naftalina e a absoluta falta de coragem que permeou sua vida pública.

O doutor Lembo não pode bater em quem lhe alimentou e achar que isso é normal apenas por ter dito a verdade. Nem pensar que dizer a verdade é o máximo para um governador do maior Estado da Federação. Dizer a verdade é o mínimo, até por ser natural obrigação de todos os seres pensantes da Terra de Vera Cruz ou de alhures. O doutor Lembo, festejando intimamente seus 15 minutos de fama, superiores (por inusitados, por impensáveis) às suas décadas de obsequiosa serventia aos antigos patrões da aristocracia financeira paulistana, será uma vírgula na história, oscilando entre o verdadeiro e o ingrato, entre o elementar e o mau caráter.

Lembro-me como se fosse hoje - e já lá se vão quatro longos anos... - daquela tarde em que o frio Geraldo Alckmin, esse envergonhado numerário da celebérrima Opus Dei, descartou sem maiores escrúpulos a candidatura de José Aníbal, um sujeito combativo e intelectualmente bastante superior a ele próprio, e fez do inofensivo e dócil professor do Bexiga seu companheiro de chapa. O ungido não apareceu na campanha. Não existiu como candidato. Ninguém jamais foi informado de que ele era o vice de Alckmin. Não teve direito a lugar no jatinho, nem na foto do outdoor. Não ocupou um metro quadrado em qualquer palanque em Santo André ou Martinópolis. Spot televisivo, nem pensar. Até a semana passada eram poucos os cidadãos paulistas informados de sua vetusta investidura em cargo pelo que passaram Washington Luís, Pedro de Toledo, Armando de Salles Oliveira, Adhemar de Barros, Jânio Quadros, Carvalho Pinto, Franco Montoro ou Paulo Maluf , poupando-me de citar os medíocres.

Não chegou ao governo por mérito algum, mas por subserviência aos seus patrões da elite branca , má e perversa. Não teve um único voto, mas a unção do provinciano Alckmin, hoje alvo de suas ironias e boutades ácidas. Traiu seus benfeitores e hoje colhe elogios de Lula, o apedeuta. Apenas isso já seria o suficiente para cobrir-lhe de vergonha! Comanda um governo que não é seu, com auxiliares que não escolheu, que não lhe prestam contas e tão pouco o tratam com a reverência que o cargo exige. Cláudio Lembo tem apequenado a investidura que ocupa, por obra de Alckmin, do acaso (segundo ele próprio, em momento de sinceridade) e dela, de sua antiga amada, amante e protetora, a elite branca, má e perversa.

O professor Lembo é, longe de discutir o seu caráter fraco ou a sua personalíssima noção de gratidão, um sujeito surpreendente, convenhamos. Com aquele ar pesado, aquela falsa modéstia, seu esforço em parecer austero, as sobrancelhas fantasmagóricas, algum pé na Transilvânia, esperou paciente e com estudada resignação por mais de 40 anos para colocar para fora o seu lado populacho, o seu lado imigrante, a sua porção italianinha, suas unhas de fora e em vendetta quase impecável, com a volúpia de um carcamano faminto diante da vitrina da Basilicatta, disse a verdade! Só se esqueceu ou não sabe, que a verdade na boca dos ímpios é tão desmoralizada quanto a própria mentira. E o seu grito valerá menos que um arroto com odor de gordurosa calabresa...

As décadas de obediência aos ditames dos inclementes e cerimoniosos Setúbal não resistiram a trinta minutos de entrevista com a esperta colunista Mônica Bergamo, uma profissional competente e hábil. Soltou todos os demônios que o oriundi trás no peito, vingando as humilhações recebidas, os sorrisos negados, os cumprimentos secos, os convites que não chegaram, as ante-salas calorentas, os chás-de-cadeira recebidos, os brasões que humilharam, quem sabe os aumentos salariais negados, os supostos talentos jamais reconhecidos, a eterna coadjuvância, os inóspitos segundo, terceiro, quarto lugares... Agora ele está vingado! Mesmo que o senador Tasso Jereissati, moderno coronel do Ceará, o ache um “carente” e o talentoso ACM, dono da Bahia, o defina sem dó ou piedade como um “debilóide”, ou uma grande acionista de seu antigo emprego se refira, grosseira que só ela, à “halitose do Lembo”, ele está vingado!

Um dia o surpreendente bedel da elite branca, má e perversa, colocou uma gravata preta pelo jovem filho que se foi para nunca mais, vítima de erro médico. Se a elite paulista, branca, má, perversa e burra, pudesse se personificar em um pescoço qualquer, não tenho qualquer dúvida de que faria o mesmo pelo filho adotivo que se foi, vítima de clamoroso erro de avaliação.
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